Não sou profissional em assunto de assédio sexual de crianças e adolescentes na área da psicologia ou jurídica. Trato a partir da escuta de meninos e meninas, adultas e adultos, como de seus familiares, desde 1967, ao me aproximar de crianças em um orfanato local – inúmeras delas vitimadas por um predador – e de muita leitura.
O assédio é uma forma de abuso sexual. Escrevo sobre esse tipo de crime extrafamiliar, em que o agressor é uma pessoa conhecida da vítima, encoberto por um véu de ideais nobres. Consiste numa relação de um adulto, sem contato físico com um menor – ignorando os seus direitos – para obter vantagem ou favorecimento sexual.
O abusador é hábil: cria um elo de confiança com a criança ou adolescente, bem como com sua família. Normalmente é amável, “progride” para ficar com a vítima longe da vigilância de outros adultos, convida-a para festividades, segue-a em lugares onde possa acontecer uma situação de intimidade, oferece-lhe bebida alcoólica. Segundo os estudiosos, pode ter qualquer idade, sem necessariamente apresentar quadro clínico psiquiátrico anormal e em geral são homens de diferentes níveis educacionais, sociais e econômicos. Mas há mulheres.
Ao acontecer o assédio na adolescência, é comum a vítima ter dificuldade em assimilar o que está ouvindo ou lendo do despudorado, que se torna conflitante, em seu mundo interior, pela incoerência. Questiona-se sobre o que provoca uma atitude dessa a partir de alguém “honrado” e por vergonha ou preocupação em causar problemas – pois a culpa já instalada -, esconde dos pais. Surgem as mudanças de humor, a ansiedade, os segredos, assim como a angústia para encontrar uma forma de se distanciar do agressor, sem revelar o assunto à família que ainda acredita no mesmo. Pode, ainda, acontecer a automutilação, desespero, depressão, abuso de drogas /álcool.
Inúmeras vezes, o assédio é o primeiro passo para o contato físico, caso a criança ou adolescente tenha autoestima rebaixada e uma família em que o diálogo não prevaleça.
A vítima jamais poderá se sentir culpada e o clima de convívio e a forma de se vestir não podem ser usados como argumentos do pedófilo.
O Papa Francisco possui tanta preocupação com esse assunto que há um Documento Pontifício que trata do tema em relação à Igreja: “Vos Estis Lux Mundi”, em cuja introdução coloca: “Os crimes de abuso sexual ofendem Nosso Senhor, causam danos físicos, psicológicos e espirituais às vítima e lesam a comunidade dos fiéis”.
Mesmo que não atinjam o físico e seja interrompido, o assédio sexual fere a vítima e seus familiares. Toda criança e/ou adolescente colocado, de alguma forma, como uma coisa, torna-se de inocência maculada. E a família, embora não tenha culpa também, ao tomar conhecimento, sente-se traída e machucada, perguntando-se sobre ter exposto seu(sua) filho(a) a um lobo com pele de cordeiro.
Quaisquer palavras e olhares precisam ser considerados com seriedade. Jovenzinha ainda, trocava cartas com pessoas ligadas à poesia e às artes. Meu pai era atentíssimo. Não gostou de uma resposta que recebi e me propôs que encerrasse de imediato aquela correspondência. Refutei a partir da idade do artista e obtive como resposta o ditado popular: “Não confie nos cabelos brancos de um homem porque os canalhas também envelhecem”. Infelizmente, devassos existem onde menos se espera.
Denunciar é imprescindível, como direito da criança e do adolescente e também para tentar deter o predador. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, ECA, Art. 241-D: aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, menor, com o fim de com ele praticar ato libidinoso, a pena é reclusão de 1(um) a 3(três) anos.
Se ficar palavra contra palavra? Creio que a da criança e/ou adolescente deve prevalecer. Se houver arquivamento do processo, a família fez a sua parte e se torna mais preparada para ajudar diversas famílias na proteção de seus filhos de depravados, percebendo situações que geram desconfiança e ensinando-os a dizerem “não”.
Maria Cristina Castilho de Andrade
É professora e cronista